Três dias depois, já no avião de regresso a Portugal, creio finalmente conseguir descrever aquilo que foi a minha participação na maratona de Nova Iorque, uma prova que há muito ambicionava correr não só por ser uma das seis principais maratonas do mundo (fiz uma até então, em Chicago) como por ser numa cidade que adoro, com um ambiente e uma mística fantásticas.
Com a prova a ser corrida no Domingo de 6 de Novembro, o grupo com o qual eu viajei (pessoal português e espanhol acompanhado pela Endeavor Maratones) chegou a Nova Iorque na quinta-feira, de modo a permitir algum reconhecimento pré-corrida e fazer todos os trâmites necessários com a maior folga possível. Sexta de manhã fizemos uma pequena corrida pelo Central Park, onde a prova termina e, posso-vos dizer, que corria feliz da vida todos os dias naquele parque. A cidade de Nova Iorque em si não é o melhor dos locais para se correr (os sucessivos cruzamentos não permitem grande coisa) mas o parque em si é algo de inexplicável.
Feito o reconhecimento, ainda nessa mesma manhã deslocámo-nos em grupo até ao centro de convenções para levantar o kit de corrida (e gastar um bom dinheiro em merchandising relativo à prova….). Ter nas mãos aquele dorsal com o meu nome, após tanto tempo treino com altos e baixos, foi o primeiro de muitos momentos emocionantes desta viagem. Despachado este passo restava agora aproveitar um pouco da cidade mas, em simultâneo, tentar descansar ao máximo – especialmente no sábado – para estar fresco.
O Domingo da maratona começa muito cedo – o que para mim não foi um problema já que praticamente não consegui sair do fuso horário de Portugal, pelo menos no que tocava ao acordar. Já que os autocarros obrigatoriamente saíam do hotel – em direcção a Staten Island – às 5:45, tudo tinha que ser feito com muita antecedência. Nessa madrugada optei por tomar o pequeno-almoço no quarto e, assim, comer o que estava perfeitamente habituado. Uma das muitas medidas que aconselho para se evitarem surpresas de ultima hora. Após os últimos preparativos encontrei-me com o grupo no lobby do hotel e seguimos juntos até ao autocarro que nos levaria ao local de partida.
Com cerca de duas horas para a minha partida (algum do pessoal com quem seguia só partiria bem mais tarde) chegámos finalmente ao local de onde sai a maratona. O mar sem fim de atletas na “aldeia de partida” é indescritível e um outro momento alto de toda esta experiência. Finalmente! Estava a muito pouco tempo de começar a prova para a qual treinei durante meses e meses. Aproveitei para ir logo à casa de banho (o que, ainda relativamente cedo, significou mais de 30 minutos de espera) e, de seguida, fui equipar-me, fazer o reconhecimento do meu bloco de partida e começar a aquecer. As características da zona de partida não permitem um aquecimento muito vigoroso o que, em parte, até pode ser bem vindo, já que obriga a um arranque mais suave. Durante este período não posso deixar de realçar o estrondo dos tiros de canhão (que pautam cada vaga de partida de atletas) e que – literalmente – faziam vibrar o chão a nossos pés.
A 20 minutos da partida – agendada para as 9:10 – os blocos da primeira vaga foram fechados e, assim, começámos finalmente a empolgante caminhada (já sob um sol escaldante) em direcção à linha de partida. Estando no primeiro bloco de partida, da primeira vaga, tive o privilégio de estar praticamente a meio metro da linha de partida, numa das maiores (senão a maior) maratona do mundo.
Contava os segundos, procurava manter e calma, e eis que chegam, passados meses e meses, as 9:10 do dia 6 de Novembro. Novo tiro de canhão, e lá vamos nós embalados pela “New York, New York” de Frank Sinatra. Que alegria!
Procurei entrar suavemente no ritmo alvo (que andava à volta dos 4min/km) e esta foi uma preocupação constante desde as primeiras passadas: sabia que a prova era dura e o calor que se fazia sentir não ajudava (vim a saber que foi a maratona de Nova Iorque mais quente dos últimos 30 anos) e era assim essencial ser o mais conservador possível. Os primeiros quilómetros da ponte Verrazano (primeiro a subir e depois a descer) são feitos sem público e começamos a ter um primeiro vislumbre que aí viria perto do quilometro 4 pouco antes de chegarmos à avenida principal de Brooklyn. A partir daqui a enorme massa de público presente foi alucinante e percorremos esta avenida com mais de sete quilómetros onde não havia um metro que estivesse vazio! Música, cartazes, gritos de apoio de ambos oa lados da estrada: é emocionante e uma experiência quase transcendente, com semelhanças às grandes subidas do Tour de France. Algo que dificilmente irei esquecer.
A festa é imensa e quando dou por isso já vamos com praticamente quinze quilómetros feitos, sempre no ritmo certo e a sentir que ia a travar (por vezes olhava para o relógio e verificava que já ia a 3:55 ou mesmo 3:50/km e lá tinha que abrandar).
Nesta fase da prova há um momento curioso e para o qual já tinha sido alertado: o bairro dos judeus hassídicos onde não se ouve um pio. Chega a ser cómico, tal o contraste quando comparado com o que vinha a ser a prova até agora. Felizmente foi sol de pouca dura e, feita essa milha, voltamos ao bem bom e ao calor humano. Confesso que me chegaram a doer dos ouvidos dado era o volume de barulho feito à nossa volta!
Após o quilómetro 20 começamos – surpresa surpresa – mais uma longa subida em direcção ao marco da meia maratona, o qual cruzei com 1h25m10seg, praticamente perfeito tendo em conta as 2h50m de tempo alvo. Entrámos então em Queens onde continuei a conseguir imprimir o mesmo ritmo até chegar à malfadada ponte de Queensborough. Esta é, talvez, a zona mentalmente mais extenuante de todo o percurso já que são praticamente dois quilómetros (com o primeiro em subida) onde estamos sem público nenhum e sentir pela primeira vez o vento de sul, que até agora tinha sido um aliado silencioso. Na subida, naturalmente, o ritmo desceu um pouco mas sem grandes dificuldades consegui retomar a andamento pretendido. Com a ponte a acabar começamos a descer e aqui acontece um dos momentos mais mágicos da prova: o silencio que pautou o ultimo par de quilómetros começa a ser substituído por um bruah dos apoiantes presentes em Manhattan, na primeira avenida. Um barulho ao inicio muito ténue mas que aos poucos se aproxima acabando por se transformar num som ensurdecedor!
Eis então que nos encontramos na primeira avenida, com 26 quilómetros feitos. A partir de agora seria a doer mas – pensava eu – sentia-me fresco já que as pernas pareciam completamente funcionais e ainda com bastante força. Como referi, começava agora a derradeira parte da maratona: as avenidas de Nova Iorque parecem planas mas de plano não têm nada. O troço pela primeira avenida, que se estende por praticamente seis quilómetros, parece não ter fim e é um sobe e desce constante. Durante este troço passei pela malta da Endeavor que foi incansável e cujos gritos de apoio foram um gel adicional de força para continuar a “escalada” pela avenida.
Aos 32 quilómetros chegámos ao Harlem por via de – invariávelmente, outra ponte! – e aqui a coisa começou a ficar complicada. Não sentia as pernas cansadas (nem mesmo no fim da prova!) mas comecei a sentir pontadas que ameaçavam cãibras. A desidratação cansada pelo forte calor (cheguei a apanhar 3 copos por posto de abastecimento e ainda assim sentia que era curto) começava a fazer estragos. Ainda consegui continuar a bom ritmo pelo Harlem e de volta a Manhattan, mas em entrando na Quinta Avenida os ameaços de cãibras deixaram de ser apenas isso e passaram a realidade. Uma realidade dura e penosa. A partir daqui percebi, com alguma frustração, que o objectivo das 2h50m seria para esquecer e que teria de gerir ao máximo os ritmos para conseguir chegar ao fim minimamente capaz. Assim, a descida pela quinta avenida (que tecnicamente era a subir…) foi sempre feita em gestão de ritmo, com o mesmo a ser reduzido drasticamente a espaços, cada vez que uma cãibra aparecia. Entrámos no parque com cerca de quatro quilómetros (duas milhas e pouco) para o fim e redobra-se o sobe e desce constante o que, inesperadamente, me ajudou! Visto que as sucessivas colinas obrigavam a uma modulação do esforço aproveitei as subidas para reduzir o ritmo (e fazer com que os músculos acalmassem) e recuperava algum – pouco – tempo a descer. Com uma milha para o fim cerrei os dentes e procurei forçar o ritmo uma ultima vez. Saímos momentaneamente do parque, em direcção a oeste via 59th Street e, com pouco mais de 500 metros pela frente, entramos no derradeiro final.
Como não poderia deixar de ser, este último trecho contém uma subida razoável mas nem isso me abalou. Obstáculo superado, corro mais 200 metros e maratona terminada, em 2h57m27s. Cruzar aquela meta foi um misto de felicidade com frustração! Sabia que valia bem mais do que aquilo mas dadas as condições e as dificuldades no final melhorar em praticamente 2m30seg o meu recorde pessoal deveria ser motivo de orgulho! Apressei-me a receber a tão desejada – e que bonita que é! – medalha, o saco com mantimentos e entrar em contacto com a família que estava certo que me acompanhou ao longo daquele trajecto, a milhares de quilómetros de distância.
Feito esse contacto começava a – muito longa – caminhada de volta ao hotel. Fi-la com calma (já que também não dava para muito mais!) e registei com enorme surpresa e apreço a quantidade de pessoas com as quais me cruzei que me parabenizaram pelo feito. Mais uma prova que esta maratona não é só dos que nela correm mas sim de toda a cidade.
A minha maratona não acabou aqui já que ao longo do dia (e numa saída celebratória ao cair da noite) registei sempre com enorme alegria e celebração o sucesso de cada um dos meus colegas de grupo que viajou comigo e correu esta prova. Conheci pessoas como a Vera e o Fernando, a Filipa e o Gonçalo, o Manuel, o Armando e o Guilherme e ainda os guias Javi, José, Gleen e Flávio.. A corrida sempre me tem dado muito mas, recentemente, começo a perceber que o que mais me dá é a possibilidade de conhecer pessoas fantásticas.
Não podia terminar sem referir que, não sendo eu profissional (nem de perto nem de longe) este não deixa de ser um resultado de um conjunto de pessoas. Desde os amigos, parceiros de treino, o GFD Fisioterapia e GFD Running – encabeçados pelo Ernesto – massagistas e, principalmente a família que é o pilar de suporte destas maluqueiras, nada disto seria possível sem eles. A todos o meu obrigado.
Excelente leitura! E a prova… bem já te disse e volto a dizer, a próxima é para as 2h45! Vales isso e muito mais até! Um abraço
Muitos parabéns Luís.
Gostei muito do teu realato. NY é sem dúvida uma cidade emocionante, e essa experiência decerto ficará sempre na tua memória.
Um abraço